As duas faces da moeda
- Igual Ao Resto
- 14 de abr. de 2021
- 9 min de leitura
História 1
- Estava a ver que nunca mais me abria a porta… se isto continua assim daqui a bocado contrato um chauffeur privado.
Ao sair do seu novo Mercedes - obtido com o dinheiro dos fieis contribuintes Portugueses - José Platão (personagem totalmente fictícia) pisa uma pequeníssima poça de água, molhando os seus recém estreados sapatos Ferragamo.
- Seu incompetente, você devia ter vergonha na cara é o que é! Eu pisei esta poça porque você não a viu e agora, por sua culpa, uma família em Portalegre não vai poder comprar material escolar para o filho porque eu vou precisar de um calçado novo. Isto parece-lhe justo? Não, claro que não é justo, mas a culpa é sua! Oh! você, seu paquiderme, acha que eu alguma vez apareceria numa reunião com o Choco da Silva nesta triste figura, acha que estes sapatos molhados são dignos de Vale do Lobo ?! Como é que eu agora confio em si para me transportar as fotocópias? Não percebeu? Porra homem! Transportar o dinheiro! Eu sou uma vítima no meio disto tudo, e vou lhe dizer mais: estes sapatos foram-me emprestados por um amigo. O que é que eu lhe vou dizer agora? Deve achar que tenho salário de jogador de futebol ou que não dou valor às coisas. Assim… não me deixa outra opção: vou ter que arranjar outra pessoa.
Com um notável nervosismo na voz o motorista responde a medo:
- Mas… senhor, peço a maior das desculpas senhor mas eu tenho duas filhas e uma mulher desempregada em casa que ficou sem trabalho porque a empresa dela faliu à espera de apoios do estado. Por favor não me faça isto.
- Porra pá, a sua incompetência obriga-me a tomar medidas destas; eu que até sou um gajo porreiro pá e que gosto de ajudar as pessoas pá, mas valha-me Deus: há limites - e dirige-se para a porta palácio de São Vento, sacudindo-se do chauffeur e do seu desespero como quem pisa uma formiga.
Os polícias mal pagos que guardam a entrada do palácio olham para José com um olhar de desdém e ódio profundo. No entanto, têm que o esconder e enterra-lo bem fundo, uma vez que não querem perder o trabalho.
Solenemente, o primeiro-ministro passa pelas forças de autoridade, dirige-lhes a palavra, prometendo-lhes que terão mais apoios e um aumento no salário e de seguida vai se passeando pelos largos corredores do palacete. Até que chega à porta da sala de jantar. Desta provêm várias gargalhadas e o som de alegres conversas provenientes das conhecidas vozes dos mais honestos homens da Lusitânia .
Quando a porta se abre o cenário é de ostentação e luxo. No teto um candeeiro de cristal ilumina as mentes de todos os génios presentes, no chão tapetes persas verdadeiros suportam o peso dos seus egos e da sua barriga, e tudo isto enquanto serviços da Dinastia Ming pintados à mão por crianças escravas e os mais caros vinhos do Porto compõem a mesa.
- Olha quem chegou! - diz António Posta em festa.
- Senta-te camarada! Estávamos à tua espera para começar a roubar! Ai desculpa! A jantar! ( Gargalhada geral)
- Não precisam de esperar mais por mim, vamos começar!
Da cozinha saem 10 empregados com bandejas repletas de caviar, salmão balik, trufa, medalhões de caranguejo do Alasca, presunto pata negra, uma seleção de queijos e rosbife de búfalo.
- Nem sabem o que acabou de me acontecer agora - diz José Platão - aquele incompetente fez me pisar uma poça de água e estragou uns sapatos que me emprestaste Carlos! Já ameacei que o substituía. Depois ainda me vem com a conversa que precisa de dinheiro para alimentar a família e essas treta.
- Recebia o mínimo sequer?
- Não sei. Nem me interessa. Ele que se arranje.
- Esta gentalha!
- Vê-se mesmo que ninguém trabalha nesta terra... só restamos nós. E ainda bem. Depois compramo-los com subsídios e com promessas de aumento de salário. Tão ingénuos… e ainda ficam contentes.
- Os portugueses são assim! Querem é ir para as esplanadas beber imperiais e comer bifanas... trabalhar e pagar impostos tá quieto. Especialmente os ricos.
- Passa me aí as gambas se faz favor, Silva Santos.
- Olha, digo-te já: não são as da comporta mas não são más!
- Quando voltaste do Sublime? - perguntou Armando Barra.
- Ontem. Merda deste plano de desconfinamento!
E assim se passou o resto do jantar. Os pratos cada vez mais exóticos e exorbitantes foram chegando; os políticos e as ilustres figuras que estavam naquela sala foram ficando com a barriga mais cheia e mais cheia e a conversa foi se animando. Começaram por falar das dificuldades pelas quais tinham passado para ter aquela vida. De todo o trabalho duro e de toda a dedicação; todo o esforço e todas as horas sem dormir a falar ao telemóvel e tudo isto, tudo isto com medo de terem escutas no telemóvel para encontrarem provas que lhes permitissem ser acusados de corrupção.
-Agora parece que isto da corrupção está na moda. Como o racismo - disse Ricardo Doce.
- Isto agora também qualquer coisinha mínima é logo é corrupção. Querem nos tramar é o que é. No meu tempo não era assim. - disse Armando Barra.
- Um gajo já não pode fazer os seus negócios tranquilo pá, já não pode desviar um bocadinho de dinheiro do estado ou fazer negócios com a Venezuela ou de comunicações com o Brasil - proferiu, enquanto olhava para o nada, José Platão.
- A verdade é que isto está difícil para nós políticos. Somos a classe profissional mais perseguida do século - disse António Posta - os que passam as maiores dificuldades.
- O problema é já ninguém respeita a arte da corrupção; a arte de passar dinheiro pelas costas, de roubar os contribuintes enquanto se compra uma casa em Paris com o seu dinheiro - complementou José Platão, que se entusiasmou à medida que foi falando - sim! e não é como se os contribuintes fossem trabalhadores; não é como se a culpa do país estar no estado que está desde o tempo que está fosse nossa; não! a culpa é DELES. Deles e dos ricos; dos capitalistas que não querem pagar impostos! A culpa é dos portugueses que não trabalham, que são preguiçosos, que só querem beber cerveja e ver o futebol. Nós somos vítimas em todo este processo, nós fazemos o nosso melhor e pronto como recompensa pelo nosso trabalho vamos tirando uns poucos milhões ou algumas dezenas, - se multiplicarmos por todos talvez centenas - mas não é como se disso proviesse algum mal.
Depois deste tema falaram em como o dinheiro lhes permitia fazer tudo mas como também que tinham que dissimular o dinheiro. Por exemplo, José Platão andava em público com um Volksvagen Golf quando na verdade (com o dinheiro emprestado pelo Carlos Silva Santos) poderia comprar um Ferrari.
O momento alto da noite que foi quando o grande homem da nação o homem mais honesto desde Afonso Henriques pegou num copo e brindou: "Meus senhores meus senhores, agradeço muito que tenham vindo este jantar e desejo que haja muitos mais!" Os copos de vinho do porto cheios bateram uns contra os outros e naquela sala reinava um ambiente de felicidade, um ambiente mágico pode se até dizer. Tudo isto conquistado com trabalho duro (não daqueles homens que estavam a brindar como é óbvio) mas dos portugueses comuns que pagam impostos e têm um trabalho. Porque só trabalha quem é burro.
Depois de feito o brinde um dos convidados perguntou:
- O jantar estava de facto delicioso! Esplêndido! A quem é que tenho que agradecer?
- Bom, não é a nenhum de nós de certeza - respondeu José Platão - não fomos nós que o pagámos.
História 2
- Eh pá porra Mário estou farto. Não aguento mais esta merda.
- Bom, também não te vai fazer nada de bem ficares a matutar nisso sozinho. Vamos passar no bar e bebemos uns copos. O Victor, a nós, como somos amigos, deixa-nos, apesar de supostamente ter que estar fechado. Coitado também não tem outra forma de pagar as contas. É preciso é ter cuidadinho com a polícia mas isso não te preciso dizer.
Passava das onze da noite quando os dois amigos entraram no carro. O dia de trabalho havia sido exaustivo; daqueles em que entravam às 8 saíam às 10:30 da noite. Ultimamente, os dias de trabalhos destes tinham sido cada vez mais.
O primeiro amigo, Mário Urtiga, era dono de um pequeno café. Nestes últimos tempos o café estivera fechado devido à pandemia. E agora… agora que finalmente pudera abrir, só pudera abrir a pequenina esplanada que levava 6 pessoas. Em casa Mário tinha filhos para alimentar; tinha sempre que ser um homem forte; um exemplo para os seus filhos, mas havia vezes em que quebrava. Vezes em que não sentia ânimo para ir trabalhar nem para fazer nada; vezes em que sentia que todo o seu trabalho era inútil e que, por mais que trabalhasse, nunca conseguiria ser ninguém. No entanto, aquele café era para si uma paixão; uma verdadeira paixão. Não havia nada no mundo que ele adorasse mais do que estar no café, ser dono do café, servir as pessoas e conversar com elas; de sentir que estava a prestar-lhes um serviço e a melhorar um bocadinho o dia delas. Gostava de se sentir útil para os outros com aquele café. Mas a verdade é que as coisas nos últimos tempos estavam mais difíceis que nunca. Os apoios que supostamente ajudariam a pagar as contas - que entretanto se haviam tornado quase impossíveis de pagar- nunca chegaram. Isto para não falar de quão difícil já era a vida antes da pandemia antes de ter começado.
O outro amigo, de nome Jorge Fonseca, trabalhava como mecânico numa pequena oficina. O trabalho era tudo para si. Desde pequeno que sonhava com carros. Com arranjar os carros, tratar dos carros, e sempre pensou que gostaria de fazer disso o seu trabalho. E agora podia concretizar uma parte do seu sonho e essa realização que tinha quando estava a trabalhar, esse gosto e essa paixão, era o que o motivava todos os dias - mesmo quando as coisas estavam difíceis ao ponto de ser extenuante e de apetecer desistir. Mas ultimamente tinha ficado tudo pior: os clientes eram menos, havia menos carros para arranjar e a vida em casa também se tornara um problema desde que a sua mulher ficara em Layoff.
As portas do carro abriram-se, a chave rodou, e o motor fez as quatro rodas andarem para a frente. A ruas estavam desertas e silenciosas. O ambiente da cidade era deprimente. Não se via ninguém na rua, estava tudo fechado; a cidade que antes, em noites de primavera como aquela, estava cheia, passeando pelas ruas e por bares. Mas agora não. Agora tudo parecia medonho e melancólico e, ao conduzir o seu antigo Peugeot pelas ruas inóspitas, a garrafa afigurava-se como a única solução possível.
Com as ruas vazias foi fácil encontrar um lugar para estacionar e, mesmo em frente ao bar. Ao sair do carro Mário pisou uma pequena poça de água. Na brincadeira, disse ao amigo que, ao menos, podia tê-lo avisado; que se fosse assim nunca mais ia com ele à pendura, que contratava outra pessoa, e riram-se os dois.
- Também não é como se estes sapatos fossem ficar mais estragados do que já estão. - respondeu Jorge.
Secretamente, entraram os dois no estabelecimento. Para isso, bateram o número de vezes combinado (e que toda a gente que lá ia sabia) à porta e sentaram-se. Sentaram-se ao balcão e pediram um whiskey para cada. Ultimamente a cerveja já era suficiente.
Por cima das prateleiras das bebidas, na televisão, estava ligada a SIC Notícias e nela uns quantos comentadores a falarem do último escândalo do país.
- Já viste esta merda?
- Foda-se nem me digas nada. Fico doente. Doente. Como é que estes gajos se escapam desta merda. Durante anos roubaram-nos dinheiro, a nós portugueses comuns, que trabalhamos e lutamos todos os dias para ter dinheiro em casa e comida na mesa. E saem impunes. Saem sempre impunes.
- Parece que o crime compensa mesmo, parece que a dignidade, a honra, o trabalho árduo e todos esses valores que nos foram incutidos quando éramos putos são afinal de contas um sonho ingénuo de alguns homens de valor que sobreviveram e que vão lutando uma batalha perdida em nome do bem. E nós, fantoches neste gigante teatro, preferimos ir para o bar beber qualquer merda, evitamos debates desagradáveis e conformamo-nos com uma gigante mentira. Tudo isto porque é mais cómodo do que agir e fazer alguma coisa. Talvez não sejamos tão inocentes como pensamos, aliás, somos bastante mais responsáveis do que aquilo que NOS TEMOS em conta. Cada vez que deixamos um caso destes passar despercebido, cada voto que fica por contar, cada vez que ficamos calados para não causar polémica, cada vez que somos politicamente corretos e temos medo de dizer o que realmente pensamos, estamos a contribuir para esta gigante máquina de corrupção da qual fazemos parte.
Está na hora de mudar.
Esperemos que não seja tarde de mais.
"Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados"- Edmund Burke.
António Guedes de Sousa e Tomás Castello Branco
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