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A luz nunca desvendou uma aventura

Finalmente, após um dia quase inteiro, parara de chover. No ar perdurava um cheiro a terra molhada e uma brisa húmida passava por cima da areia. Esta estava dura e muito amarela, mais que o normal. As ondas apresentavam-se calmas mas grandes, sublimes sem nunca deixarem de ser serenas, com uns quantos surfistas descendo por elas até à espuma. Junto ao mar quarenta potros corriam por cima da água rasa e uma pequena pedra branca voava, fazendo, por momentos, o Leopardo olhar para o sol que se punha enquanto acompanhava a sua descida. Aquele era o melhor anoitecer do ano, pensou, e o melhor momento da minha vida. Lá ao fundo, ao pé das rochas, uma grande bola estava suspensa apenas por dois fios. Alguns chamavam-lhe Bola de Nívea ou mesmo O Nariz de Deus; outros afirmavam que se tratava de uma Bola de Berlim que, esquecida na areia e por comer, foi crescendo e crescendo até ficar daquele tamanho. A verdade… a verdade é que ninguém sabe ao certo como é que aquilo foi ali parar, disse o Leopardo, e como é que aquela avioneta antiga acolá (e apontou) separa os dois centros distritais mais importantes do mundo é um diferente mistério que nunca se resolveu. Mas esqueçam. Esqueçam tudo, agora não é hora para essas teorias; agora é hora de deixarmos os potros galoparem pelas águas, passarem por cimas das conchas, saírem da rebentação e irem além das ondas, além dos surfistas; em direção aos grandes Graneleiros que tocam o horizonte. Quem sabe os limites destas coisas? Quem é que é capaz de pôr um único limite que seja ao que for; ao que se pode ou não fazer; à vontade de simplesmente ir, de te deixares levar, especialmente quando esteve o dia todo a chover, especialmente quando o sol tem esta cor? (Parou contemplativamente durante uns minutos.) Vou atrás deles, disse, e correu para o Mar, mergulhando na água que estava gelada. Mas… e a noite? perguntou um dos amigos; E o frio? perguntou outro e …? e ….? e…? Impaciente, o nosso Leopardo não ouviu nenhuma destas últimas perguntas. Ia ele em cima de um dos 40 cavalos quando, puxada pelo vento, a voz do mais tímido dos seus amigos lhe perguntou se não queria voltar à superfície, quem sabe, que estava debaixo da rebentação sem respirar há muito tempo e que, entretanto, ficara de noite.


Tomás Castello Branco

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