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O elefante

Tenho a convicção de que,

neste mundo,

não deveria haver absolutamente nada.

Nada

para além dos cavalos pretos

que pastam nos campos pacíficos

da China rural

e dos turbantes que

voam livres pelo deserto

(como é óbvio).

Sei lá, ao menos

antigamente – no tempo dos Romanos –

havia anões amarelos que pintavam

os muros dos cemitérios

com a luz esbraseante

da água do mar.

Hoje em dia nem isso.

Hoje em dia,

poucas são as pessoas que

leem Shakespeare ao entardecer

e o único acontecimento realmente notável

é o da multidão estar sucessivamente insana,

não podendo ser sustida.

A explicação?

Alguns defendem que é

por haver demasiados demónios

para tão escassos corpos;

outros alegam que é porque

a constituição é queimada viva

todas as madrugadas,

em frente às estações de metro.

Os ostracizados

limitam-se a dançar.

Dançam e dançam e dançam

(e vão dançando)

em infindáveis salões de madeira.

Até que, de repente,

param de dançar

e um Elefante entra na discoteca.

Vim para uma entrevista de emprego

diz o bicho.

As quarenta e quatro almas

daquela sala ficam indignadas:

mas que caralho! Um elefante aqui?

volta para o teu país

ó cabrão

que vens mazé roubar o trabalho à gente.

Os olhos do pobre animal choram

e eu pergunto-lhe

se não quer vir beber um copo comigo .

Não quero - diz ele -

e dissipa-se no ar.

Coitado!

nunca deve ter dançado;

nunca deve ter visto, sequer,

no sul de Marrocos,

as velhas casas dos coiotes

que foram deixadas à montanha

e reconstruídas

por homens verdes

com as folhas brancas

do meu caderno

e com as cordas ásperas

de um acordeão estridente que

TOCA E TOCA E TOCA


e calem lá todos se faz favor

que assim não consigo dormir.


Tomás Castello Branco

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