O elefante
- Igual Ao Resto
- 5 de out. de 2020
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Tenho a convicção de que,
neste mundo,
não deveria haver absolutamente nada.
Nada
para além dos cavalos pretos
que pastam nos campos pacíficos
da China rural
e dos turbantes que
voam livres pelo deserto
(como é óbvio).
Sei lá, ao menos
antigamente – no tempo dos Romanos –
havia anões amarelos que pintavam
os muros dos cemitérios
com a luz esbraseante
da água do mar.
Hoje em dia nem isso.
Hoje em dia,
poucas são as pessoas que
leem Shakespeare ao entardecer
e o único acontecimento realmente notável
é o da multidão estar sucessivamente insana,
não podendo ser sustida.
A explicação?
Alguns defendem que é
por haver demasiados demónios
para tão escassos corpos;
outros alegam que é porque
a constituição é queimada viva
todas as madrugadas,
em frente às estações de metro.
Os ostracizados
limitam-se a dançar.
Dançam e dançam e dançam
(e vão dançando)
em infindáveis salões de madeira.
Até que, de repente,
param de dançar
e um Elefante entra na discoteca.
Vim para uma entrevista de emprego
diz o bicho.
As quarenta e quatro almas
daquela sala ficam indignadas:
mas que caralho! Um elefante aqui?
volta para o teu país
ó cabrão
que vens mazé roubar o trabalho à gente.
Os olhos do pobre animal choram
e eu pergunto-lhe
se não quer vir beber um copo comigo .
Não quero - diz ele -
e dissipa-se no ar.
Coitado!
nunca deve ter dançado;
nunca deve ter visto, sequer,
no sul de Marrocos,
as velhas casas dos coiotes
que foram deixadas à montanha
e reconstruídas
por homens verdes
com as folhas brancas
do meu caderno
e com as cordas ásperas
de um acordeão estridente que
TOCA E TOCA E TOCA
e calem lá todos se faz favor
que assim não consigo dormir.
Tomás Castello Branco
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