O Amor é um Burro nos Himalaias
- Igual Ao Resto
- 9 de set. de 2020
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Quando carteamos,
todos os fósseis e todos os astros
se alinham em surtidas loucas
e chilreiam desalmadamente
como gaivotas presas num descampado
cuja chave pertence somente
aos pastores.
Quando carteamos,
todos os enxames e todos os cardumes
clamam que,
tal como um jogo de cartas,
o Amor se rege apenas
pela sorte.
Nada disso:
o Amor é deus
mesmo que Ele não exista;
é uma avioneta regional
que rasga os céus do Alentejo;
é um pequeno carvalho
que estremece ligeiramente com a brisa de Nordeste
e, acima de tudo:
" O AMOR É UM SENTIDO"
que merece ser proclamado e anunciado diante de
mil bandeiras descoloridas;
mesmo que dessas mil
apenas duas sejam de Cristo e quatro da Tasmânia.
E mesmo que,
em todo o Universo,
não haja uma única lagoa cândida e cristalina
e que os meus olhos sejam feridos
por todos os sons angustiantes
deste Novo Mundo
e por todas as lágrimas
que ficaram por chorar
uma certeza disponho:
sei que te terei sempre, meu amor,
descalça e deslumbrante,
caminhando de noite a meu lado
e que todas as campainhas e todos os candeeiros
gravitarão inevitavelmente para a tua doce voz.
Sei também que,
para as sombras e mineiros
que conhecem a sua figura,
o Amor é um Burro nos Himalaias.
Este burro
sobe e desce caga e anda fuma e fode
e, caminhando por trilhos sinuosos,
tropeça repetidamente na vastidão do céu nocturno
e por todos os andaimes que
naturalmente subsidiam os cometas
originando longas barragens
de lágrimas e de dor
que se recusam obstinadamente
a serem levadas
pelo mar.
Por vezes,
este burro desce a um monte
onde só há pegadas de neve
e linhas de eléctrico enferrujadas,
para além de todos os comboios que nunca apanhámos
mas que sempre nos levaram a algum lado
e de todos os barcos que nunca vimos saírem
de madrugada
pela nossa pequena janela.
Tomás Castello Branco
Adoro o que me deixa a pensar!
Muito profundo! Deixa-me e pensar!