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O Amor é um Burro nos Himalaias

Quando carteamos,

todos os fósseis e todos os astros

se alinham em surtidas loucas

e chilreiam desalmadamente

como gaivotas presas num descampado

cuja chave pertence somente

aos pastores.

Quando carteamos,

todos os enxames e todos os cardumes

clamam que,

tal como um jogo de cartas,

o Amor se rege apenas

pela sorte.

Nada disso:

o Amor é deus

mesmo que Ele não exista;

é uma avioneta regional

que rasga os céus do Alentejo;

é um pequeno carvalho

que estremece ligeiramente com a brisa de Nordeste

e, acima de tudo:


" O AMOR É UM SENTIDO"

que merece ser proclamado e anunciado diante de

mil bandeiras descoloridas;

mesmo que dessas mil

apenas duas sejam de Cristo e quatro da Tasmânia.

E mesmo que,

em todo o Universo,

não haja uma única lagoa cândida e cristalina

e que os meus olhos sejam feridos

por todos os sons angustiantes

deste Novo Mundo

e por todas as lágrimas

que ficaram por chorar

uma certeza disponho:

sei que te terei sempre, meu amor,

descalça e deslumbrante,

caminhando de noite a meu lado

e que todas as campainhas e todos os candeeiros

gravitarão inevitavelmente para a tua doce voz.

Sei também que,

para as sombras e mineiros

que conhecem a sua figura,

o Amor é um Burro nos Himalaias.

Este burro

sobe e desce caga e anda fuma e fode

e, caminhando por trilhos sinuosos,

tropeça repetidamente na vastidão do céu nocturno

e por todos os andaimes que

naturalmente subsidiam os cometas

originando longas barragens

de lágrimas e de dor

que se recusam obstinadamente

a serem levadas

pelo mar.

Por vezes,

este burro desce a um monte

onde só há pegadas de neve

e linhas de eléctrico enferrujadas,

para além de todos os comboios que nunca apanhámos

mas que sempre nos levaram a algum lado

e de todos os barcos que nunca vimos saírem

de madrugada

pela nossa pequena janela.

Tomás Castello Branco

2 comentários


mafarosil
14 de nov. de 2020

Adoro o que me deixa a pensar!

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mafarosil
14 de nov. de 2020

Muito profundo! Deixa-me e pensar!

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